[Literatura] Ligeiramente fora de Foco

A resenha de hoje é bem complicadinha de ser feita. Acho que é sempre assim quando a gente tem que falar de um dos nossos livros preferidos.

Como vocês leram no título, o queridinho é o "Ligeiramente fora de Foco" do Robert Capa. Trata-se de uma autobiografia. Lembram que disse que estava gostando muito delas?

Para os que nunca ouviram falar do Capa, ele foi um fotógrafo de guerra. Nasceu em Budapeste, na Hungria. Seu nome de batismo: Endre Friedmann. O nome Robert Capa foi criado por Endre e Gerda Pohorylle (sua namorada, na época). Tratava-se de um fotógrafo fictício que assinava as fotos de Endre. Era uma grande brincadeira, que funcionou muito bem e acabou pegando.

Foi escrevendo esse post que descobri: Endre nasceu em 22 de outubro de 1913! Foi realmente muito incrível essa coincidência. Até mandei mensagem para algumas pessoas contando, pra dividir minha surpresa! Hoje, se Capa estivesse vivo, completaria 99 anos de idade. Se fosse 100 eu ficaria ainda mais abismada! Parabéns, Capa. Onde quer que você esteja! :)

Sacou? Sacou? :P

Capa queria ser escritor repórter e romancista, e apreciava muito a fotografia também. As circunstâncias da vida, o levaram a se tornar fotógrafo apenas. Uma pena, porque depois de ler sua autobiografia, pude ver que além de fotógrafo incrível, ele foi também um escritor maravilhoso. Compraria todos os seus livros, se houvessem outros (na verdade, ele escreveu um chamado "Report on Israel" junto com Irwin Shaw. Não há versão traduzida para o português).

O livro conta a história do fotógrafo desde o verão de 1942 até a primavera de 1945, período no qual ele fotografou o drama da Segunda Guerra, na Europa. Em sua vida, Capa fotografou cinco guerras, do período de 1936 até 1954, em Indochina, quando pisou em uma mina terrestre e morreu.

Foto de autoria desconhecida.

 O livro todo é muito impressionante. Robert conta a sua experiência com muito senso de humor. Abusa de comentários irônicos e escreve o tempo todo de forma extremamente agradável. A gente nem sente o tempo passar, enquanto vai virando as páginas do livro. Ficamos ansiosos e angustiados e rimos, o tempo todo durante a leitura. Além do relato, o livro é recheado de fotografias maravilhosas.

Suas análises sobre a guerra e sobre o seu trabalho como fotógrafo são fantásticas. O livro é o retrato de uma tragédia, e mesmo assim, consegue passar esperança e algo de muito bonito que ao que parece, vem junto com o sofrimento.

Nas palavras do escritor, talvez justo nas narrativas mais cheias de humor, conseguimos perceber, ou imaginar o seu sofrimento, e a forma como lidava com tudo aquilo. Percebemos também muito da sua coragem, por mais que ele sempre nos fale de seus medos e receios.

Já apreciava muito o seu trabalho como fotógrafo. Agora aprecio como escritor. Mas, o mais importante de tudo, passei a admirá-lo como pessoa, pelo pouco que pude conhecer da sua autobiografia e pelo pouco que li do que outros falaram sobre ele.

Para vocês verem um pouquinho como é o livro por dentro... :)

Finalizando, vou deixar o próprio autor falar. Alguns dos trechos que me chamaram atenção (se pudesse, colocaria aqui o livro inteiro):

"No trem para Londres, com aqueles bem-sucedidos rolos de filme, senti ódio de mim mesmo e de minha profissão. Esse tipo de fotografia era para agentes funerários, e eu não gostava de ser um deles. Se eu tinha de participar do funeral, jurei, teria de participar da procissão." - pg 65.

"Foi a primeira vez que acompanhei um ataque do começo ao fim e consegui fazer algumas fotos muito boas. Fotos simples que mostravam o quanto o combate é de fato horrível e pouco espetacular. Furos dependem de sorte e de transmissão rápida, e a maior parte deles não significa mais nada no dia seguinte à publicação. Mas o soldado que olhar as fotos de Troina, daqui a dez anos, em sua casa em Ohio, vai poder dizer: "Foi assim"." - pg 115.

Sobre os Rangers, soldados da infantaria: "Eles falavam como idiotas, lutavam como assassinos e uma vez os encontrei chorando como heróis." - pg 130.

"Ali, deitado como uma panqueca no chão frio entre duas linhas de guerra, só tinha duas alternativas: ficar apavorado de bruços ou apavorado de costas." - pg 140.

"O começo de um ataque noturno não é espetacular. Um a um os soldados pegam seu equipamento e partem no passo mais lento possível. No escuro, não dá pra ver nada. Ouve-se apenas o barulho feito pelas botas do sujeito na sua frente. A cada passo sua bota fica mais pesada, e o medo faz seu estômago virar uma bolinha. O suor do rosto se mistura com o orvalho do amanhecer e você se lembra de todos os quartos quentes e confortáveis em que já esteve." - pg 157.

"Naquela nossa guerra, não se perguntava sobre a estratégia geral. Poucos de nós faziam alguma pergunta, ninguém as respondia." - pg 162.

"Mas o sol não tinha como saber que esse dia era diferente dos outros e subiu em seu horário normal." - pg 185.

Para terminar, quero dizer mais uma vez: Ligeiramente fora de foco entrou para a lista dos meus livros preferidos e recomendo de olhos fechados a leitura dele (mas, vocês podem ler de olhos abertos. :P  Ok, foi ruim, eu sei...).